sexta-feira, agosto 31, 2007

Desenterrando um império (parte 2)

Quando Henry Sayce afirmou que os heteus do Antigo Testamento eram o mesmo povo que deixou diversos rastros na região da Ásia Menor, muitos dos acadêmicos da época lhe conferiram o título de "o inventor dos hititas". Evidentemente, os "homens de ciência" da época (e de hoje também) achavam simplória demais a opinião de um erudito fundamentada na Bíblia e nas suas pesquisas de campo.

Curiosamente, as fontes egípcias da época registravam informações surpeendentes sobre o assunto. Tutmoses III, importante faraó da 18ª dinastia (Ca. 1450 a.C.), foi forçado a pagar tributo ao povo de Heta. Da mesma forma, vários relevos nos templos e palácios do país dos faraós registravam as importantes vitórias de Ramsés II sobre os Hititas, na famosa Batalha de Kadesh (ilustração acima), na Síria.

Mas não foram apenas os egípcios que travaram batalhas contra esse povo. O rei assírio Tiglat Pileser I (Ca. 1100 a.C.) gloriava-se em seus registros de ter vencido diversos combates na "Terra de Hatti". As mencões a esse povo só desapareceram em 717 a.C., quando Carchemish, uma das principais cidades hititas, foi destruída.

Entre Tutmes III e a destruição de Carchemish há um período de 700 anos. Seria possível a um pequeno império travar poderosas batalhas com grandes potências como Egito e Assíria? Dificilmente!

Hugo Winckler: a pá alemã em Boghazköy

A confirmação da teoria de Sayce veio por meio dos esforços de um arqueólogo alemão. Seu nome, Hugo Winckler (1863-1913). Os trabalhos foram realizados em Boghazköy, a cidade que foi visitada pelo francês Texier, como vimos anteriormente. Se as pesquisas de Texier foram sem sucesso, o mesmo não se pode dizer daquelas feitas por Winckler, em 1906.

As escavações arqueológicas naquela época eram extremamente precárias. A região era extremamente quente durante o dia, e o frio a noite era praticamente da mesma intensidade. O próprio Winckler registrou em seu diário que durante as noites chuvosas ele dormia com um guarda chuva aberto preso a um dos braços, já que sua barraca estava "um pouco" rasgada.

Além de arqueólogo de campo, este acadêmico alemão era também filólogo, um estudioso de línguas antigas. Os tabletes cuneiformes que foram encontrados em Boghazköy estavam escritos em acadiano, a lingua diplomática das civilizações do antigo oriente médio. Winckler não tinha muitas dificuldades para ler e traduzir esses tabletes. Era comum alguns europeus notáveis terem a habilidade de traduzir textos de civilizações milenares. (Jean François Champolion, por exemplo, aos 16 anos de idade já sabia oito línguas!)

Foi através desse conhecimento que uma de suas principais descobertas veio ao mundo. Certa ocasião, um desses tabletes chegou às mãos dele. Ao começar a tradução, ele se lembrou de uma antiga inscrição egípcia no templo de Karnak, onde Ramsés II selava um tratado (aliança) com o rei Hatusilis III, do país de Hatti. Na verdade, o que Winckler tinha em mão era uma das cartas trocadas entre o próprio Ramsés II com o monarca hitita, discutindo o tratado.

Conclusão: Boghazköy não era uma mera cidade, mas a capital do reino do hititas (na foto ao lado, vê-se as ruínas de Hattusas, atual Boghazköy). Na antiguidade, as correspondências reais ficavam no palácio do rei, que por sua vez ficava na capital do império. No tradução do texto, o antigo nome da capital era Hattusas.
Apesar de estar sendo bem-sucedido, o trabalho foi interrompido por falta de recursos. Um fato interessante nesta história toda é que Winckler era anti-semita, e foi exatamente um banqueiro judeu chamado James Simon que patrocinou as escavações posteriores em Hattusas.

E a Bíblia?

Qual a relevância desses achados para a Bíblia? Quando estudamos o texto do tratado (aliança) entre Ramsés II e Hattusilis III, percebemos que a estrutura é praticamente a mesma daquela encontrada nas alianças registradas no Pentateuco. Uma vez que Ramsés II viveu em meados de 1300 a.C., e a tradição bíblica indica que Moisés escreveu os cinco primeiros livros da Bíblia por volta da mesma época (Ca. 1400 a.C.), somos inclinados a pensar que provavelmente a primeira parte da Bíblia provém da mesma época, não uma época posterior, como querem alguns.

No próximo artigo, examinaremos essa informação comparando a estrutura bíblica com aquela que está no templo de Karnak e que foi descoberta num pequeno tablete por Winckler.

Luiz Gustavo S. Assis, aluno do 4º ano de Teologia no Unasp, campus Engenheiro Coelho, SP.

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